terça-feira, 5 de julho de 2011

Feijão ou broto de feijão?

(Texto divulgado no Estadão em 15 de junho de 2011)

Por Fernando Reinach.

Comer já foi perigoso. Morrer de intoxicação alimentar era comum antes de 1876, quando Robert Koch descobriu que micro-organismos podiam causar doenças. Isso levou a hábitos básicos de higiene, como lavar as mãos após ir ao banheiro e antes de manipular alimentos.

Hoje, comer é uma atividade de baixo risco. Menos de 30% da população de países desenvolvidos sofre algum tipo de desconforto intestinal a cada ano. Nos EUA, apesar de 325 mil pessoas serem internadas todos os anos, somente 5 mil morrem por causa da má qualidade dos alimentos. Mesmo assim, surtos de contaminação como o que ocorre na Alemanha são assustadores. Mais de 3,3 mil infectados, 820 com falência renal e 37 mortes, tudo por causa de uma batelada de brotos de feijão.

Quando você compra um pacote de feijão, os grãos estão vivos, capazes de permanecer dormentes por meses se mantidos secos. Essa característica levou o homem a domesticar plantas produtoras de sementes: era fácil e seguro estocar os alimentos na entressafra.

Você não sabe se seus grãos foram produzidas e colhidos em condições higiênicas, mas isso pouco importa, pois bactérias patogênicas dormentes serão destruídas durante o cozimento. Para preparar o feijão, você retira grãos machucados, lava e cozinha em água fervente. Talvez até use uma panela de pressão, que permite que a água permaneça líquida acima dos 100°C. Esse processo garante a segurança alimentar.

Mas se você for um moderno produtor de brotos de feijão, a situação é outra. Os grão são lavados, mas não podem ser fervidos, pois é necessário que germinem. Para isso, são incubados em água morna e postos, por mais de um dia, em um ambiente úmido, que favoreça a germinação. Após a germinação, os delicados brotos são lavados, ensacados e distribuídos em supermercados.

É a tecnologia do século 20: o grão que podia ser preservado por longos períodos a temperatura ambiente foi transformado em um broto que só pode ser mantido em geladeira por poucos dias. O mais preocupante é que qualquer bactéria contida no grão ou aderida à casca não só não foi morta, mas teve tempo e condições para se multiplicar e contaminar o alimento.

Nos EUA, as agências que regulamentam a produção de alimentos recomendam que os grãos sejam lavados com soluções com cloro antes da germinação, prática combatida por produtores orgânicos radicais. Você compraria brotos de feijão com o rótulo “produzidos a partir de grãos lavados com cloro”?

Não sabemos como as bactérias altamente tóxicas contaminaram o lote de brotos de feijão na Alemanha. Talvez estivessem nos grãos, comprados sem controle de qualidade, talvez tenham sido introduzidas no processo de germinação ou empacotamento. Mas é óbvio que vender feijão na forma de brotos é uma maneira muito mais arriscada de distribuir o alimento. Só que o homem moderno quer voltar a ter contato direto com a natureza que abandonou, e uma salada de broto de feijão parece ser mais saudável que um pote de feijão cozido.

Produção concentrada e extensos sistemas de distribuição fazem com que um único deslize, em uma unidade produtiva, mate dezenas de pessoas. Junte a isso o desejo da população de voltar a consumir alimentos frescos e uma crescente rejeição às tecnologias de preservação e o resultado são episódios como esse e a crise do espinafre nos EUA.

Brotos de feijão são deliciosos e geralmente seguros, mas a pressão dos consumidores por alimentos orgânicos e frescos pode estar tornando o ato de comer mais arriscado.

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